ORIGEM DA VIDA

 

A compreensão da vida, na sua essência, evolução ou diversidade,  implica que analisemos com algum cuidado o problema da sua origem.

A preocupação que nos assiste não é nem original, nem recente. Tem sido objecto de indagações incessantes, mobilizando o pensamento dos homens mais sábios de todas as civilizações e dando lugar a discursos de tipo mítico, com importantes reflexos nos planos sociocultural e religioso.

 

O que é a vida ?

 

Esta questão foi, é e continuará a ser objecto de reflexão, sem que alguém tenha sido capaz de enunciar uma definição incontroversa. A forma de tornear esta questão é procurar identificar as propriedades dos seres vivos.  É-nos acessível, ao olharmos para nós ou para um campo de brócolos, encontrar algumas características que podemos considerar denominadores comuns: ambos, nós e os brócolos, possuímos a faculdade de nos reproduzirmos (criarmos réplicas); ambos, para sobrevivermos, desde o momento em que fomos gerados, necessitamos de captar do meio ambiente, matéria e energia com vista à construção de edifícios moleculares altamente ordenados (proteínas, celulose, ácidos nucleicos, etc.); ambos, ao incorporarmos mais e mais desses edifícios moleculares, vamos crescendo; e durante todo este processo vamos rejeitando para o meio, uma série de moléculas de que não necessitávamos, bem como alguma energia; sobre o fim da estória, não tenhamos dúvidas, tanto os brócolos como nós entraremos numa fase de senescência e não sobreviveremos para além de um certo limite temporal, isto é, morreremos.

Será que nos é lícito generalizar estas simples constatações, a todos os seres vivos? O bom senso obriga-nos a ter algum cuidado. E um simples olhar para criaturas mais pequenas, para uma paramécia, por exemplo, confirma a pertinência das nossas cautelas: é que, a não ser que lhes suceda algum “contratempo”, as paramécias não morrem! Uma paramécia divide-se em duas e cada uma destas, por sua vez, em duas, e assim de seguida. Quem diz uma paramécia, diz uma bactéria, ou uma levedura, dessas que nos fazem levedar a massa do pão ou fermentar o sumo da uva. Consequentemente, deveremos ser levados a retirar a morte, como fenómeno biológico programado, da lista das características comuns a todos os seres vivos.

Mas ao pensarmos em nós, nos brócolos e na paramécia, há um atributo dos seres vivos que nos escapa à primeira vista: é o de que nem sempre foram iguais ao que hoje são. Há alguns milhares de anos, não muitos, aliás, nem os homens, nem os brócolos, eram como hoje os conhecemos. De então para cá, evoluíram: os Homo eram mais pequenos, tinham um volume craniano inferior, etc., e sabemos que derivam de populações de primatas com outras características (sofreram uma evolução, baseada na selecção natural). Os brócolos [Brassicae oleracea] sofreram igualmente uma evolução, mas aqueles que nós hoje cultivamos são o produto de uma selecção artificial, orientada pelo homem para valorizar os caules e as flores (melhoramento vegetal).

Então, poderemos afirmar, sem correr grandes riscos, que a vida é .a propriedade dos seres vivos, e que estes apresentam determinadas características comuns:

a)  São sistemas (termodinamicamente) abertos, pois recebem do exterior, matéria e energia (sob diversas formas) e rejeitam matéria e a energia (sob outras formas) para o meio exterior;

b) São sistemas dotados da capacidade de transformação das moléculas captadas no exterior, noutras que lhes são próprias;

c) São sistemas moleculares complexos e tendencialmente ordenados, dotados de informação;

d) Reproduzem-se, dando origem a réplicas semelhantes (não necessariamente iguais!), dotadas de idêntica informação;

e)São sistemas que, em termos populacionais e não individuais, evoluem, isto é, mudam gradualmente de estrutura, adquirindo eventualmente novas funções.

 

Os mesmos elementos existem fora e dentro da célula; porém dentro da

célula, existe informação necessária para se formarem associações específicas

que se reproduzem identicamente nos descendentes

 

 

Geração espontânea

 

Desde sempre o homem se mostrou intrigado sobre a sua própria origem, e isso conduziu-o a interrogar-se também sobre a origem da vida. Durante milénios, prevaleceu a ideia de que a vida tinha uma origem espontânea. Na antiga China, acreditava-se que os bambus geravam pulgões; os textos sagrados da Índia mencionam o nascimento das moscas a partir da sujidade e do suor; na Babilónia, referia-se que os vermes se geravam na lama. Muitos outros exemplos poderiam ser citados, que corroboram a concepção da origem espontânea da vida.

Para os filósofos gregos, a vida é uma propriedade da matéria; é eterna e surge quando as condições se mostram propícias. Estas ideias aparecem claramente nos escritos de Tales, de Demócrito, de Epícuro, de Lucrécio e, mesmo, nos de Platão. Coube a Aristóteles (381- 322 A.C.) realizar a síntese das ideias desenvolvidas anteriormente. Coligiu informação oriunda dos mais importantes centros civilizacionais, da China, da Babilónia, da Índia, do Egipto, e formulou a teoria da geração espontânea. De acordo com esta teoria, existiriam dois princípios, um passivo, que é a matéria, e outro, activo, que é a forma. Quando as condições são favoráveis, conjugar-se-iam, dando origem à vida. Assim se explicava como trapos sujos geravam ratos ou a carne putrefacta, moscas.

Esta teoria assentava na observação atenta, com os meios e os saberes então disponíveis. Quem a poderia refutar se, ao fazer a experiência de expor carne limpa ao ar, visse, ao fim de um certo tempo, saírem, da massa muscular, vermes brancos (larvas de mosca) ?

A teoria da geração espontânea foi retomada por doutores da Igreja, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, bem como por muitos outros ilustres pensadores. Atravessou toda a Idade Média e o Renascimento e foi sustentada por grandes pensadores como o filósofo René Descartes, o físico Isaac Newton ou o naturalista William Harvey. Em meados do século XVII, Jan Baptist Van Helmont efectuara as primeiras experiências sobre a geração espontânea. Este médico flamengo pretendeu obter ratos a partir de grãos de trigo e de uma camisa impregnada de suor humano. Realizadas sem método científico, estas experiências acabaram por reforçar a teoria oficial, em vez de a pôr em causa.

As primeiras experiências científicas verdadeiras foram efectuadas médico e naturalista florentino Francesco Redi (1626-1698). Redi demonstrou experimentalmente que as larvas de mosca só aparecem na carne em putrefacção, quando se deixa que as moscas pousem na carne. Se tal for impedido, por interposição de uma gaze fina, as larvas não aparecem.

Pela mesma época, o holandês Antoine van Leeuwenhoek (1632-1723) inventou o microscópio. Apesar de rudimentar, este aparelho permitiu ao seu inventor aceder à observação do “infinitamente pequeno” e pela primeira vez são descritos organismos inacessíveis à vista humana.

O aparecimento de microrganismos em meios nutritivos onde antes não estavam presentes foi interpretado pelos pensadores da época como mais uma prova da “geração espontânea”. Leeuwenhoek não partilhava estas ideias; apoiando-se em observações experimentais, procurou convencer, em vão, os espíritos da época, de que os micróbios provinham de “sementes” presentes no ar ambiente.

Em 1718, Louis Joblot demonstrou experimentalmente que os micro-organismos provêm de uma contaminação pelo ar. Contudo, não conseguiu convencer os naturalistas que consideravam o mundo dos micro-organismos como o bastião mais importante da geração espontânea. O passo seguinte, significativo, no confronto das duas correntes, foi dado pelo abade italiano Lazzaro Spallanzani que, não comungando do pensamento oficial, decidiu submeter a elevadas temperaturas substâncias orgânicas nas quais se reconhecia a existência de micróbios. Mostrou que, após o aquecimento, os micróbios estavam destruídos.

Nem mesmo assim foram abalados os alicerces da teoria da geração espontânea e, em 1860, Pouchet publica um tratado em que desenvolve a teoria da geração espontânea suportada por numerosos exemplos de contaminação pelo ar exterior.

A teoria da "geração espontânea", na sua versão inicial, só foi refutada definitivamente no século XIX graças aos trabalhos de Louis Pasteur. Este médico francês, debruçando-se sobre uma doença que dizimava a criação do bicho-da-seda, demonstrou experimentalmente e de forma irrefutável, que germes microscópicos pululam em toda a parte e que as “gerações espontâneas” de microrganismos resultavam, na realidade, da contaminação dos meios de cultura por germes vindos do exterior, isto é, que a vida não surge espontaneamente, mas tem origem em outras formas de vida preexistentes.

 

 

Panspermia

 

Refutada a teoria da geração espontânea, recolocava-se de novo a questão fundamental, de saber qual a origem da primeira forma de vida.

Demonstrando-se que a vida provém sempre de outras formas de vida, o pensamento lógico levou à formulação de uma nova teoria, segundo a qual a Terra teria sido inseminada por organismos vindos de fora, de outros planetas, ou mesmo de outros sistemas solares, propagados por esporos e veiculados até à Terra por meteoritos ou por poeiras cósmicas. Conhecida por Teoria da panspermia, foi proposta, nos finais do século XIX, por Kelvin e retomada, já no século XX, pelo químico sueco Svante Arrhénius.

A teoria da panspermia foi refutada com base na impossibilidade de sobrevivência dos microrganismos às condições de temperatura existentes no dealbar da história do Universo. Todavia, a teoria da panspermia tem vindo a ser reformulada e a receber novos apoios. Segundo Hoyle e Wickramasinghe, a vida teria surgido noutro local, nomeadamente nos núcleos dos cometas. A Terra teria sido inoculada de seguida, por ocasião dos choques ocorridos com diversos objectos celestes. Circo e Lesei Orle vão mais longe e defendem que a Terra e provavelmente outros planetas possam ter sido colonizados por seres inteligentes, pertencentes a outros sistemas solares. Esta versão contemporânea é conhecida por panspermia dirigida e explicaria o facto de o molibdénio, elemento raro sobre o nosso planeta, ser essencial para o funcionamento de muitos enzimas chave do metabolismo dos seres vivos.

A teoria da panspermia tem, para os seus defensores, a vantagem de não ser refutável e alimentar a especulação intelectual e a ficção científica. Todavia, em relação à questão inicial, de saber concretamente como se gerou a vida, a teoria da panspermia apenas a “resolve” na Terra, deslocando a incógnita para algures no Universo. O problema inicial permanece intacto: como é que a vida apareceu na Terra, ou num qualquer outro planeta.

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