CÉLULAS EUCARIÓTICAS
Conceito trifásico e
Teoria endossimbiótica
Parece verosímil que as células eucarióticas se tenham formado, há cerca de 1,4 biliões de anos, a partir de células procarióticas. Contudo, as profundas diferenças que se reconhecem entre os dois tipos celulares têm dificultado a compreensão do processo evolutivo. Algumas teorias têm vindo a ser formuladas, mas aquela que maior aceitação colhe actualmente é a Teoria Endossimbiótica. Para além de nos oferecer um modelo evolutivo que explica não só as diferenças entre os dois tipos celulares, mas também a origem das mitocôndrias, dos cloroplastos e dos flagelos, a Teoria Endossimbiótica pressupõe o conceito trifásico da célula eucariótica.
As células procarióticas que teriam estado na origem deste processo, seriam heterotróficas anaeróbias, e o seu catabolismo energético compreenderia apenas a glícólise. Contudo, teriam adquirido uma maior capacidade de permuta com o meio envolvente através da hipertrofia da sua fronteira natural, a membrana plasmática; uma forma de especialização numa função, que lhes proporcionaria maior quamtidade de alimento. Nesta perspectiva, a formação do retículo endoplasmático constitui um passo lógico e o aparecimento do invólucro nuclear, uma decorrência obrigatória imposta pela preservação do material genético, face a agressões possíveis, nomeadamente por parte de enzimas do citossol. Finalmente, o acréscimo da diversidade e da intensidade das actividades metabólicas, terá conduzido à regionalização das funções em compartimentos especializados do espaço celular, que hoje se conhece (ver Ordem Arquitectural).
Ao observar os esquemas anterior, ilustrativo do processo evolutivo que acabámos de descrever, constata-se que o espaço que preenche os canais do primitivo retículo se encontra em perfeita continuidade com o espaço exterior à célula. No decurso do processo evolutivo, esse espaço terá perdido progressivamente contacto com o exterior. Nas células eucarióticas, essa continuidade com o exterior restabelece-se em certas circunstâncias, nomeadamente nos processos de exocitose. Pelo contrário, o espaço originalmente delimitado pela membrana plasmática nunca estabelece continuidade com o meio externo, por mais denso e complexo que seja o retículo formado. Nesta conformidade, temos de admitir que coexistem nas células actuais dois espaços, que se ramificam e se interpenetram, sem que nunca estabeleçam entre si vias de comunicação directa. A única possibilidade de comunicação que se lhes oferece é através da própria membrana que os separa. Reconhece-se assim a existência de três fases constituintes da célula eucariótica: a fase externa, resultante da "privatização" do espaço externo; a fase interna, herdeira da célula procariótica original; e a fase intermédia, que é representada pela membrana, e que regula as relações entre as outras duas. Gera-se assim o Conceito Trifásico da Célula Eucariótica.
Este conceito da célula eucariótica oferece-nos uma perspectiva para melhor compreendermos o sentido da Ordem Arquitectural, como nos orienta na compreensão da Ordem Funcional da célula.
A evolução descrita terá naturalmente ocorrido num contexto de grande competição, representando por ventura a expressão mais ousada dos procariontes heterotróficos anaeróbios. Entre os autotróficos, as formas mais evoluídas eram as cianobactérias. Com estas surge a capacidade de captação da energia fotónica (solar) e do seu emprego na síntese de matéria orgânica, utilizando a água como dador de hidrogénio (ver Fotossíntese, Fotofosforilação).
Em consequência da libertação do oxigénio, o ambiente tornara-se oxidante. Neste novo contexto, emerge uma nova classe de procariontes heterotróficos: os aeróbios. Estes, encontram-se capacitados para tirarem proveito do oxigénio atmosférico, dispondo para tal de um novo mecanismo bioquímico, que lhes permite efectuar a oxidação da matéria orgânica, com um rendimento muito superior ao da glicólise, (ver Respiração Celular, Fosforilação Oxidativa).
Segundo a Teoria Endossimbiótica, da qual Lynn Margulis é o principal proponente, as células eucarióticas teriam origem na simbiose entre dois tipos de células procarióticas diferentes, acima referidas: umas, heterotróficas e anaeróbias, vocacionadas para as permutas com o meio envolvente, mostrando uma forte alguma hipertrofia da membrana; outras, igualmente heterotróficas, mas aeróbias, captadoras de oxigénio e geradoras de energia, dispondo para tal, na sua membrana e no citossol, do equipamento bioquímico da respiração celular. Supõe-se ter sido esta a origem das mitocôndrias. O efeito sinérgico desta simbiose terá oferecido uma melhor adaptação ao meio crescentemente rico em oxigénio e em matéria orgânica, e conferido, às novas entidades, uma poderosa capacidade competitiva.
Na mesma lógica, se supõe que as cianobactérias ou os seus precursores terão estabelecido relações de simbiose a três, com as simbioses anteriormente referidas, dando origem aos cloroplastos.
Na verdade, esta Teoria é suportada por factos concretos, dos quais destacamos os seguintes:
As mitocôndrias, como os cloroplastos, são organitos semi-autónomos, na medida que conservam uma capacidade de se multiplicar por bipatição, totalmente assincrona da divisão da célula;
Contrariamente aos núcleos, que se desfazem quando da divisão das celulas, as mitocôndrias e os cloroplastos mantêm a sua integridade;
As mitocôndrias e os cloroplastos são os únicos organitos que são limitados por duas membranas;
Os lípidos das membranas internas das mitocôndrias e dos cloroplastos encontram-se nas membranas de procariontes livres, mas não nas membranas de células eucarióticas;
As mitocôndrias e os cloroplastos possuem o seu próprio genoma , e este é constituído, como nas células procarióticas, por uma única macromolécula de ADN fechada em anel e enovelada;
Os genes do ADN destes organitos têm a mesma estrutura dos genes de procariontes;
As mitocôndrias e os cloroplastos possuem os seus próprios ribossomas, pelo que são capazes de efectuar a síntese de uma parte das proteínas de que necessitam para o seu próprio funcionamento. Os ribossomas são do tipo 70 S, como os das bactérias.
Estudos relativamente recentes, revelando que as mitocôndrias de todas as células eucarióticas formam um grupo homogéneo, descendente de uma única bactéria ancestral, suportam a tese de que este fenómeno de endossimbiose tenha ocorrido uma única vez. Supõe-se que tenha ocorrido há 2 a 3 milhões de anos, no decurso do período Pré-Câmbrico. Trabalhos recentes indicam que o antepassado das mitocôndrias poderá ser próximo de um grupo de bactérias aeróbicas, Rickettsia.
Os cloroplastos terão surgido porteriormente, há 1,2 a 2 milhões de anos, e estarão na origem de grupos de vegetais que diferem pelos pigmentos fotossintéticos que empregam para captar a energia luminosa. As algas vermelhas possuem um equipamento que lembra o das cianobactérias (clorofila a e ficobilissomas). As algas verdes e os vegetais terrestres, são desprovidos de pigmentos proteicos vermelhos, mas dotados de clorofila a e b.
Os contributos da biologia molecular permitem-nos supor que os cloroplastos terão surgido, no seio de cianobactérias de um mesmo grupo. Contudo, a origem das algas vermelhas e verdes é diferente, tendo as respectivas endossimbioses ocorrido provavelmente em momentos diversos, com células hospedeiras diferentes. A diferenciação da pigmentação fotossintética terá ocorrido posteriormente, por perda da clorofila b, nuns, e dos ficobilissomas, nos outros.
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