PRÓTIDOS

 

As proteínas são os constituintes mais essenciais dos organismos, desempenhando funções tão diversas como a de catalizadores das reacções orgânicas (os enzimas), de esqueleto de suporte das células e dos organismos, como a queratina, de reguladores da expressão dos genes ou ainda de transportadores de oxigénio, como a hemoglobina, etc.

As proteínas são bio-polímeros formadas essencialmente por aminoácidos ligados entre si, em sequência linear específica, através de ligações peptídicas. As proteínas apresentam estruturas tridimensionais, características. Estas são estabilizadas por ligações e interacções que se estabelecem não só entre elementos da própria cadeia como ainda com o meio circundante, de onde dependem as propriedades físico-químicas e a actividade biológica.

As proteínas são moléculas lábeis porque as suas estruturas podem, quer apresentar diferentes conformações alternativas, em função das interacções que estabelecem com o meio, quer sofrer alterações irreversíveis que as desnaturam.

Paralelamente ao estudo do genoma, cuja informação se expressa sob a forma de proteínas, tem prosseguido o esforço dos cientístas para identificar a estrutura das proteínas. Em 2002, 0 Prémio Nobel da Medicina recompensou o trabalho de três investigadores que consagraram uma parte da sua vida ao estudo das proteínas: o americano John Fenn, o japonês Hoichi Tanaka e o suiço Kurt Wüthrich.

 

 

Composição

 

As proteínas são constituídas por aminoácidos encadeados linearmente através de ligações peptídicas, segundo sequências absolutamente específicas.

Estrutura proteíca

 

 

Aminoácidos

 

Estrutura e isomeria

 

Os aminoácidos que intervêm na composição das proteínas (existem outros) são número de 20 e obedecem à estrutura geral representada na figura seguinte.

 

Estrutura geral de um aminoácido

 

O mais simples de todos os aminoácidos, é a glicina (R=H)

 

Modelo molecular da glicina

 

O átomo de carbono alfa (Ca) encontra-se ligado por ligação covalente ao grupo amina (-NH2), ao grupo carboxilo (-COOH) e a um átomo de H. Esta sequência é comum a todos os aminoácidos proteicos. Diferem entre si pela composição da cadeia lateral (R), (Quadro)

A assimetria (quirilidade) do carbono Ca confere aos aminoácidos actividade óptica (só na glicina, que apresenta dois H ligados ao Ca, não existe carbono assimétrico), reconhecendo-se assim, para cada aminoácido, dois isómeros, D (dextro-rotatório) e L.(levo-rotatório). Por convenção, a configuração é definida pela posição do grupo -NH2 relativamente ao Ca. Os aminoácidos que intervêm na composição das proteínas têm todos configuração L. Conhecem-se todavia, alguns D-aminoácidos com actividade biológica.

 

Isómeros ópticos de aminoácidos

 

Os aminoácidos são designados pelas primeiras três letras do seu nome em inglês, com excepção de quatro deles, a Glutamina (Gln), a Asparagina (Asn), a Isoleucina (Ile) e o Triptofano (Trp), conforme se representa no Quadro seguinte.

 

Aminoácidos proteicos

 

 

Ligação peptídica

 

A ligação entre aminoácidos consecutivos – ligação peptídica – é formada por eliminação de uma molécula de água entre o grupo –OH do carboxilo de um aminoácido e um H do grupo amina do aminoácido seguinte:

.

Ligação peptídica

 

Uma cadeia de dois ou mais aminoácidos unidos por ligações peptídicas é designada por cadeia peptídica ou polipeptídica. Nestas, com excepção dos aminoácidos extremos, todos os outros perderam um -OH e um H, pelo que, o que deles resta é designado por resíduo.

 

Classificação das proteínas

 

As proteínas agrupam-se em duas categorias principais: as proteínas fibrosas e as proteínas globulares.

As proteínas globulares são mais ou menos esféricas. São geralmente solúveis nos solventes aquosos e os seus pesos moleculares situam-se entre 10.000 e vários milhões. Nesta categoria situam-se as proteínas activas como os enzimas, transportadores como a hemoglobina, etc.

Na sua maioria, as proteínas fibrosas são insolúveis nos solventes aquosos e possuem pesos moleculares muito elevados. São formadas geralmente por longas moléculas mais ou menos rectilíneas e paralelas ao eixo da fibra. A esta categoria pertencem as proteínas de estrutura, como colagénio do tecido conjuntivo, as queratinas dos cabelos, as esclerotinas do tegumento dos artrópodes, a conchiolina das conchas dos moluscos, ou ainda a fribrina do soro sanguíneo ou a miosina dos músculos. Algumas proteínas fibrosas, porém, possuem uma estrutura diferente, como as tubulinas, que são formadas por múltiplas subunidades globulares dispostas helicoidalmente.

 

Esquemas de proteínas globulares e fibrosas

 

Noutra perspectiva, as proteínas podem ser classificadas em simples e conjugadas. As proteínas simples, quando hidrolisadas, só libertam aminoácidos. Pelo contrário, as proteínas conjugadas são formadas por uma parte polipeptídica (apoproteína) e por outra de natureza não proteica (grupo prostético) . 

 

Proteína

Grupo prostético

Glicoproteínas

Glúcidos

Lipoproteínas

Lípidos:

Ácidos gordos

Colesterol

Triglicéridos

Fosfolípidos

Nucleoproteínas

Ácidos nucleicos

Hemeproteínas

Heme

Metaloproteínas

Fe, Cu, Mn, Mo, Zn

 

Estrutura das proteínas

 

a) Estrutura Primária

 

Designa-se por estrutura primária, a sequência dos aminoácidos constituintes da cadeia ou das cadeias polipeptídicas de uma proteína.

Essa sequência, como se sabe, é determinada geneticamente, por ser a expressão da informação consubstanciada pela sequência de nucleótidos de um gene do DNA.

A partir de que dimensão, uma cadeia polipeptídica poderá ser considerada como uma proteína? O limite é puramente convencional. Habitualmente considera-se que a partir de 80 a 100 resíduos, se trata de uma proteína. Contudo, a verdadeira diferença reside na função biológica.

 

b) Estrutura Secundária

 

As ligações covalentes do Ca, quer com o grupo amina, quer com o grupo carboxilo, são susceptíveis de sofrer rotações, conferindo deste modo às cadeias polipeptídicas grande “liberdade” para adquirirem conformações tridimensionais variadas. Contudo, dada a espontaneidade com que se estabelecem pontes de hidrogénio entre o oxigénio do carnonilo de algumas ligações peptídicas e o hidrogénio do grupo amina de outras ligações, a referida variedade tende a estabilizar-se nos dois modelos de estrutura tridimensional, mais frequentes: a hélice a e a folha pregueada b.

A hélice a forma-se quando as rotações se operam no mesmo sentido; a folha pregueada b, quando as rotações têm, alternadamente, sinal contrário.

 

 

Hélice a  ou Hélice de Pauling: este modelo de estrutura secundária, identificado por Pauling e Corey em 1951, apresenta um passo de 5,4Å, possui 3,6 resíduos de aminoácidos por espira. As cadeias laterais (R) dos resíduos projectam-se para fora da hélice e não interferem na sua formação. Das duas versões possíveis, esquerda e direita, a mais estável é a segunda (enrolamento no sentido dos ponteiros do relógio).

Folhas pregueadas b(propostas igualmente por Pauling): consoante as cadeias se disponham no mesmo sentido (A) ou em sentidos opostos (B), assim se designam por paralelas ou antiparalelas.

 

 

As hélices a de comprimento inferior a 40Å predominam nas proteínas globulares (mioblobina, hemoglobina, calmodulina), enquanto que as de comprimento igual ou superior a 1000 Å, é comum em proteínas fibrosas com propriedades elásticas, como o colagénio ou a a-queratina.

A folha pregueada é a estrutura secundária típica de proteínas fibrosas, flexíveis mas pouco elásticas, como as fibras de seda ou a b-queratina do cabelo e da lã.

Finalmente importa referir que certas proteínas apresentam estruturas secundárias mistas, nas quais alguns segmentos em hélice alternam com outros em folha pregueada.

 

Estrutura Terciária 

 

A estrutura terciária é uma conformação tridimensional, que resulta, por um lado, de ligações que se estabelecem entre as cadeias laterais dos resíduos, e, por outro, da interacção dessas cadeias com o meio aquoso. Dessas interacções resulta uma estrutura termodinamicamente estável e que é responsável pela actividade biológica das proteínas.

As ligações entre cadeias laterais dos resíduos são, com excepção das pontes bissulfureto, de natureza não covalente; por conseguinte, energeticamente fracas. A interacção com o meio envolvente, naturalmente aquoso, condiciona, por sua vez, a disposição das cadeias laterais dos resíduos, pois as hidrofóbicas tenderão a recolher-se no interior da estrutura e as hidrofílicas a exporem-se à sua superfície.

 

 Alguns tipos de ligações não covalentes e covalentes que determinam a estrutura terciária de uma proteína: a) interacção iónicas; b) ponte de hidrogénio ; c) forças de Van der Waals; d) ponte de bissulfureto; e) interacções de grupos polares com a água.

 

 

Estrutura Quaternária

 

A estrutura quaternária decorre da associação de várias subunidades, iguais ou diferentes, através de ligações não covalentes. Trata-se do nível superior de complexidade que se pode encontrar na estrutura proteica, realizável tanto em proteínas globulares (hemoglobina) como em proteínas fibrosas (colagénio).

As proteínas com estrutura quaternária e formadas por um pequeno número de subunidades, denominam-se oligoméricas e as subunidades polipeptídicas, designam-se por protómeros. Algumas porém, são formadas por um grande número de subunidades (tubulina, por ex.) e designam-se então por poliméricas.

A hemoglobina tem a função específica de transporte de oxigénio molecular. É constituída por quatro cadeias polipeptídicas, duas a (com 141 resíduos, cada)e duas b (com 146 resíduos, cada).

O colagénio desempenha uma função esquelética nos vertebrados, intervindo essencialmente na constituição dos ossos e cartilagens. A sua molécula é constituída por três hélices a  imbricadas como uma trança.

 

 

Enzimas

 

Função catalítica

 

Para que uma reacção ocorra espontaneamente, é condição necessária, mas não suficiente, que a variação de energia livre seja negativa ( DG< 0). Por exemplo, a gasolina possui um DG de oxidação muito negativo; todavia mantém-se estável em presença do ar. Para reagirem, a maior parte das moléculas precisam de ser activadas. No caso da gasolina, a chama de um simples fósforo fornece a energia de activação necessária. De um modo geral, a energia térmica acelera as reacções, aumentando a agitação molecular e, consequentemente, a frequência de colisões entre as moléculas reagentes.

Uma via alternativa para acelerar uma reacção, consiste em fazer baixar a energia de activação necessária. Essa é, genericamente, a função dos catalisadores.

Na biosfera, porém, as reacções não podem efectuar-se a temperaturas elevadas e a maior parte delas exige a intervenção de catalisadores orgânicos, designados por enzimas. Contrariamente aos outros catalisadores, os enzimas são altamente específicos dos substratos e das reacções em que estes intervêm.

 

Energia de activação de algumas reacções catalisadas

Reacção

Catalisador

Energia de activação

(Kcal M-1)

Decomposição de H2O2 nenhum

18,0

  Platina coloidal

11,7

  Catalase

<2

Hidrólise da caseína H+

20,6

  Tripsina

12,0

Hidrólise da sacarose H+

25,7

  Invertase de levedura

11,0

 

 

 

Características moleculares dos enzimas

 

Os enzimas são proteínas globulares, geralmente conjugadas. Nestes casos, as substâncias associadas aos enzimas recebem designações diferentes, consoante as funções que desempenham no processo catalítico: coenzima, cofactor ou grupo prostético.

Os coenzimas são substratos particulares que, como tal, se transformam no decurso da reacção. Geralmente são transportadores de radicais. Por exemplo, o NAD+ é um coenzima associado a muitas desidrogenases, transformando-se em NADH durante o processo catalítico, por captação de dois electrões e de um protão (ver glicólise, por exemplo).

Grupos prostéticos e cofactores são termos empregues para designar substâncias não proteicas que se ligam à componente proteica (apoenzima), de forma mais ou menos firme, e participam activamente ao nível dos centros activos dos enzimas, quer na formação do complexo ES, quer na catálise propriamente dita. Como exemplos, podem referir-se diversos iões metálicos. Os enzimas que contêm iões metálicos como grupos prostéticos, designam-se por metalo-enzimas.

 

Características da catálise enzimática

 

A acção enzimática é altamente específica do substrato e da reacção em que este intervém, isto é, a uma determinada reacção em que intervém um substrato, corresponde um enzima particular.

Tal significa que as enzimas actuam:

a)  sem se encontrarem alteradas no final da reacção;

b)   sem modificarem as condições termodinâmicas de uma determinada reacção (uma reacção que seria termodinamicamente inviável, não passará a poder realizar-se por acção de enzimas);

c)   sobre a cinética das reacções, incrementando enormemente a velocidade, o que poderá tornar possíveis, reacções que, de outro modo e à temperatura dos seres vivos, seriam tão lentas que, para efeitos práticos, não chegariam a ter lugar;

d)  especificamente sobre o binómio substrato/reacção: o mesmo substrato, podendo ser objecto de várias reacções, cada uma será catalizada pela sua própria enzima.

 

Mecanismo da catálise enzimática

 

O mecanismo da catálise enzimática, na sua expressão mais simples, compreende a formação de um complexo enzima-substrato, ES, altamente específico. A especificidade enzimática levou Fisher (em 1894) a enunciar o princípio segundo o qual a enzima está para o substrato, como a chave está para a fechadura.

 

S + E --> ES --> E + P

em que E representa a enzima, S, o substrato e P o produto da reacção

 

Para que tal suceda, as moléculas de substrato fixam-se em locais específicos da componente proteica do enzima, os centros activos, por intermédio de ligações lábeis. Os centros activos compreendem regiões responsáveis pela ligação ao substrato, sítio de fixação, e regiões que catalisam a reacção. Só um pequeno número de aminoácidos constitui o centro activo. Uns serão responsáveis pela fixação do substrato (aminoácidos de ligação); outros, pela transformação do substrato (aminoácidos catalíticos).

A especificidade do enzima resulta assim, em definitivo, da conjugação de diversos factores, designadamente da complementaridade da configuração do centro activo relativamente à molécula do substrato, mas também do lote dos aminoácidos que compõem o centro activo, e da sua disposição relativa. Portanto, as características dos centros activos conferem-lhes a capacidade de descriminar entre compostos com configurações moleculares semelhantes.

Os enzimas podem possuir um ou mais centros activos em cada molécula.

No modelo “chave e fechadura” de Fisher, a molécula enzimática seria estática. Sabe-se contudo hoje que assim não é e que a função enzimática tira proveito, na maioria dos casos, das propriedades de flexibilidade da estrutura proteica. Koshland é um dos responsáveis pelo modelo “encaixe induzido”, o qual pressupõe que

a)     importantes alterações na estrutura das moléculas de enzimas podem ser induzidas por ligação a pequenas moléculas;

b)     a função catalítica está dependente de uma exacta orientação dos grupos catalíticos do centro activo;

c)      os substratos são capazes de induzir essa orientação, enquanto que os não-substratos são incapazes.

 

Duas situações diferentes, que se verificam em enzimas poliméricos (com estrutura quaternária)  ilustram o modelo de Koshland: os efeitos cooperativo e alostérico.

Para simplificar, tomemos como exemplo, um enzima dimérico: constituído por dois monómeros idênticos, cada um detentor de um centro activo. Pode acontecer que os monómeros se comportem independentemente um do outro, não se influenciando mutuamente. Sucede, todavia, com frequência, que a ligação de uma molécula de substrato a um dos centros activos, induz uma alteração estrutural não apenas local, mas que se transmite também ao outro monómero, nele produzindo uma alteração da configuração do centro activo que o torna mais favorável à fixação do substrato. Deste modo a fixação de uma primeira molécula de substrato facilita a fixação da segunda. Este fenómeno designa-se por efeito cooperativo.

 

Efeito cooperativo

 

Em diversos outros casos, os enzimas são susceptíveis de assumir configurações alternativas, activas e inactivas, consoante se encontrem ligados, ou não, a uma pequena molécula. Este fenómeno, que se designa por efeito alostérico, desempenha um papel fundamental na regulação da actividade enzimática. As pequenas moléculas referidas funcionam como inibidores (I) ou como activadores (A) alostéricos, e os seus centros de fixação encontram-se localizados em regiões distintas da molécula proteica.

 

Efeito alostérico

 

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